terça-feira, 30 de junho de 2009


Fazer rir é uma prece



Traço um rosto em mim. Um desenho bobo em si.

Uma máscara se faz e se desfaz então, eu, sem escudo.


Meus muros rachados e o alpendre turvo balança

a cadeira vazia da minha velhice incerta.


Tenho tido vontade de morrer, mas não de me matar. Ser flor, que se abre, que revela seu encanto e flutua sobre a terra para que os frutos sejam mais doces.


O telescópio camuflado no galpão da minha casa está voltado para o céu da minha boca muda. Mas grito! Grito para as estrelas que eu existo.

Eu insisto!


Claridade pode ser treva quando não se quer

lembrar da fulgurante eternidade.


Preciso de tudo e todos. Beber o mar inteiro, ter o verbo amar como solfejo.

Desejo o nada para me dissolver. Ser deserto, enlouquecer, ser criança mil

vezes e crescer uma só vez. Ser palhaço com sabedoria de palhaço,

pois fazer rir é prece das artes

quinta-feira, 25 de junho de 2009




Cinzas


Caíram hordas de pétalas azuis do céu. Ele sacou um canivete e fez um corte no dedo anular. Depois passou a lâmina para ela que seguiu o mesmo ritual. Eles fizeram um pacto de nunca mentir. Num crepitar que durou uma eternidade às nuvens mudaram de cor. Ficaram cinza avermelhadas. E pétalas vermelhas caíram do céu vermelho. Sons de trombetas rasgaram o espaço como uma flecha atravessando um condor.Ela olhou pro alto e viu anjos descendo em assombrosas legiões.
“O mundo está acabando”, disse a mulher intempestivamente.“O mundo já acabou” falou o homem com os olhos iluminados de amor.

sexta-feira, 19 de junho de 2009








Vagina


Boca de logo que engole o verbo.

Losangulo hirsuto que se escreve em luz.
Calor que mata e salva almas aflitas.
Seu bálsamo entorpece semideuses.
Leva homens e mulheres à loucura ou a santidade.

Você é o maior prêmio das rinhas desumanas.
Poder e dinheiro levam a ti.
O amor leva a ti.
A lascívia te leva a molhar o mundo...
por onde correm rios que deságuam dentro
e fora do universo passional.

Em seus lábios delicados e mudos, beijos.
Tu és uma flor a ser despetalada numa
brincadeira eterna de bem e mal me quer.

quarta-feira, 17 de junho de 2009

Mergulho as mãos no riacho esmeralda
A água escorre assim como a vida
se desfaz no olhar de quem acabou de partir.
Então... mergulho de finca. Enxergo tudo verde na
transparência deste novo ambiente.
Brinco de voar como se estivesse voando.
Olho pro fundo, mas não há.
O infinito transfigura-se em tormento.
Não ver o fim também nos tira o alento.
Falta ar. Falta saber o que há de haver.
Isso me faz retornar a tona, à superfíciede mim.

sábado, 13 de junho de 2009


O mundo é um círculo. Terra, íris, átomo, canção. A ampulheta azul prateada rompe. E o tempo desfia o fio de areia pelo ar.Boca e medo, lábios trêmulos, fim dos instantes, início de um eterno amor.Loucura e vidro, transparência e torrão. A alma se entrega como folha de figueirana no vendaval que vem da escuridão. Desprezo pelas batalhas interiores no deserto das metáforas. Lascívia e fobia de estar incorporado. O mundo me venceu.

terça-feira, 9 de junho de 2009







LAMPARINA

Eu abro a janela. Assim... recorto o mundo
como um lambe-lambe fazendo uma fotografia.
Em frente, há flores do campo, montanhas e nuvens.
E é esse o quadro moldado pela janela enamorada
dos meus olhos. Dentro de casa, a luz foi cortada.
Falta energia para trabalhar nos meus sonhos.
Só o sol e a lua me fazem companhia.
Eles são de graça, amorais.
Não exigem nada.
São como um cão sideral obediente a uma
ordem invisível. Perco mil vezes a hora, a paz,
e eles continuam a me iluminar. Mas dentro do
meu ser há uma lamparina acesa. Muitas vezes
com a chama baixa, outras com cor topázio
e, poucas vezes, brilhante... Nessas raridades
de instantes, assim como é raro o amor,
eu sou a luz do meu próprio caminho.
Meu próprio sol.
E esta luz é o país onde
moro quando me lembro que além da janela do
quarto existe a janela da alma.