poesia peregrina
fernando esselin
sexta-feira, 11 de novembro de 2011
Fui lançado em mar aberto onde não há
ilhas nem portos. As águas, bailarinas do
vento, estão a me levar para o oriente,
onde o sol nasce dentro dos homens e
ascende seus olhos negros.
Vejo tudo por um filtro aqui de dentro, as
deformidades, a simetria, as curvas, as
tramas. Tudo a mover-se, a dançar como
nuvens nas altitudes abissais do azul
estratosférico.
Ritmos e palmas, silêncios e toques
levitam sobre a minha calma.
É a vida em toda sua natureza inacessível
sendo desnudada de uma vez só, num lance,
numa tacada de mestre, num sorriso
indefensável de criança.
Um barquinho desponta no horizonte
numa linha tênue. É o fim da saudade é a
possibilidade de tudo mais uma vez
navegando ao meu encontro.
segunda-feira, 7 de novembro de 2011
É pena levantar da cama quando a alma está amordaçada
por fios invisíveis.
Dentro de nós lá no canto esquerdo da nossa capela
interior há uma vela acesa que doura as paredes
e o teto de sombras
a cada pequeno movimento das mãos
resignadas a religião.
Deus é perfumaria com hálito de incenso
e água de boticário.
Mas saiba, dói perceber que a realidade sobre
a qual deitamos nossos joelhos é uma ilusão
da infância do espírito.
A mente a quem nos damos conta de eu é
uma mira e não um ser.
Este ser o qual nós realmente somos paira
além do pensamento e da linguagem cognoscível.
Falar é mentir, pois a verdade está fora do alcance
das palavras.
O que há por trás do que existe, como a combinação
harmônica das cores de um passarinho é a realidade.
O passarinho e as cores não são.
Não precisamos de cultos, pois cada ser é uma chama
do altar da natureza.
A capa não é o corpo, nem o corpo a alma
e nem a alma o homem. O homem
é uma pergunta.
quinta-feira, 27 de outubro de 2011
Escuto um estilhaço. É meu coração que se quebrou
na cozinha como uma taça, num dia sem festa,
numa segunda-feira sem graça. Me recolho então
em cada um destes cacos, no espelho de cada pedaço e
minha face agora espalhada é a imagem sincera
da imagem de mim.
Meu tino não. Meu sonho é ser oceânico para
que as gotas pontiagudas de nanquim não turvem
por completo minha transparência.
Sendo mar, portanto quase infinito, os traços negros
desta defesa de polvo não tem o poder de diluir o azul.
Assim, mar e homem se tomam por completo e
não ha mais deserto, nem saudade, nem um
coração do tamanho de um copo para se
partir por culpa do amor.
quarta-feira, 29 de junho de 2011
Você dorme como
um lago negro
cercado de
vaga-lumes.
No vidro da janela
a chuva fina
te desenha
num rosto de
gotas abertas.
A chuva dissolve
o suspiro do seu
hálito
doce
que aquece nossa
cama
e o mundo.
La fora a cinza poesia concreta
dança
sob o vento gélido.
E aqui dentro de nós
e do teu sono,
essências
vermelhas
saturam bilhões de micro
sóis
como
uma malha de cavaleiro andante,
que por mais de mil
instantes
sonha
enquanto a espada descansa os
braços,
que suaviza a alma,
que protege
o amor.
segunda-feira, 11 de outubro de 2010
Não uso mapas para me guiar.
Gosto do efeito de estar perdido.
Assim, neste grau, milagres
delicados acontecem
pelo caminho incerto.
Tudo é novidade, tudo
é outra coisa a toda hora.
Estico, pois, a alma,
para que o mundo caiba em
mim, mas sempre me
escapa o mundo.
Protejo o silêncio do
pensar ruído nesta senda.
Então, eu sigo em mim uma jornada,
uma caça pelo espelho transparente.
Uma libação interior pela luz.
Meu caminhar é impreciso.
Faço, pois uma prece.
Deixo meus olhos sempre
dissolvidos nos símbolos
verem mensagens secretas
em folhas caídas, em insetos
multicoloridos nas flores.
E em cada um destes mundos
pequenos, enxergo um desejo
de criação. Um clamor pela vida,
uma ponte entre a cor e a
essência de tudo.
Não existe amor sem corpo,
dor sem alma e nem
poesia sem extremos.
domingo, 22 de agosto de 2010
A luz atravessa as copas
e ilumina a floresta.
São cortinas de luz
desenhando
portais
entre
uma flor e um lago, sob um
olhar derramado
e um esconderijo
descoberto.
Nestes milhões de verdes úmidos as
formas se misturam em cenas
entre cipós.
As cores
flutuam enamoradas
em equações piguimentais
e cada elemento se muda
ao ser (a)tingido.
As árvores cantam com varetas, folhas
e liquens áulicas melodias.
E dançam
coreografias
partidas do
invisível reino eólico.
O azul transparente
que existe entre
estes espaços selvagens
fazem percussão
nas cascas grassas e ásperas
do cerrado
ao atlântico.
Toda esta magia dos devas inspira
o ar a chover como lágrimas
de alegria. Banhando o rio
que passa como
cavaleiro andante.
À procura
de águas oceânicas
onde o céu é
refletido na superfície.
E a alma
é revelada na
escuridão
das profundidades
abissais.
quinta-feira, 5 de agosto de 2010
Mais leves que o vento,
mais altas que o mundo.
Elas virão se
você pedir.
Gostam de se vestir de
aves de rapina,
de olhos amarelos,
de folhas carmim no
pântano obscuro.
Amam apertar a língua da
gente com sabores
ardidos.
Elas,
os anjos,
dançam de olhos fechados e
inventam cachoeiras
em casas de fundo
sob a cama de velhas
desconhecidas.
Anjos gostam de
cheiro de café,
de limão,
de aperto de mão,
de bondade,
de camões.
Gostam de nadar
em espuma e
de creme de maracujá.
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